Lições de vida

 

A data de 27 de abril de 2017, quinta feira, ficará para sempre na minha memória como uma das mais tristes que vivi. Nesse dia perdi meu pai, John Robert Schmitz.

Foi um baque. Apesar dos 81 anos, ele tinha uma saúde invejável. Uma motocicleta selou seu destino enquanto ele cruzava uma faixa de pedestres numa tarde chuvosa.

Ele chegou consciente ao hospital; porém, não resistiu aos traumatismos múltiplos. Quando uma pessoa querida parte, a dor e a saudade falam mais alto.

Passado o grande impacto, ficam as memórias. Conversando com diversas pessoas, ouvindo os comentários e histórias, fui lembrando de tudo o que vivi com meu pai e do muito que ele me ensinou. Em homenagem a ele, compartilho com vocês as sete grandes lições que aprendi com meu pai:

1) Seja útil

Quando criança, nos momentos em que eu declarava estar entediado, meu pai sempre dizia: “Seja útil e faça algo útil!”

Hoje percebo que jamais vi meu pai entendiado. Ele estava sempre ocupado com seu trabalho ou ajudando alguma pessoa. Com a mesma desenvoltura, cuidava dos afazeres domésticos e dos artigos e trabalhos acadêmicos, como bom PhD em Lingüística Aplicada que era.

“An empty head is the devil´s workshop” (Cabeça vazia é a oficina do diabo), dizia ele.

Sou muito grato por este ensinamento, pois isso me ajudou a buscar ser sempre útil para as pessoas ao meu redor.

2) Preste atenção às necessidades dos outros

Poucas semanas antes de seu falecimento, meu pai, para não ter que dirigir por horas a fio, contratou um motorista para ir ao velório de um primo de minha mãe, em São Carlos, no interior de São Paulo.

Lembro bem do relato desta desta viagem, pois meu pai comentou que ficou com a “bunda quadrada” em função do longo trajeto.

No dia seguinte à morte do meu pai, minha mãe ouviu de um parente que estava presente no velório de São Carlos o seguinte depoimento:

“Há três semanas, na casa da minha mãe, vi o John preparando dois lanches ao mesmo tempo. Pensei: Nossa! O John deve estar com fome. Mas os sanduíches não eram para ele. Ele os preparou para o motorista. Esta é a imagem que eu tenho dele: gentileza, simpatia e educação“.

Quando eu ia para a casa de meu pai e pedíamos pizza, ele sempre separava duas fatias para o porteiro.

Eram gestos genuínos, de quem não espera nada em troca. Simplesmente, meu pai se preocupava com as outras pessoas.

3) Cultive a paciência

Foi com o meu pai que aprendi a conter a ansiedade. Quem teve a sorte de conviver com ele pode atestar que ele era uma pessoa extremamente paciente.

Quantos problemas vi meu pai “descascando” com muita paciência! Fosse no convívio familiar, profissional ou pessoal, esta era uma característica marcante. Resolvia os problemas com energia, bom humor e paciência.

Lembro de uma viagem que fizemos em família para Nova York. Sob uma chuva torrencial, aguardávamos impacientemente — especialmente meus filhos — um ônibus, depois de uma visita ao The Cloisters. Que fez ele? Sacou da inseparável pasta umas folhas de papel e pacientemente fez barquinhos para entreter minha filha caçula, na época com 2 anos. Não demorou muito para todos nós estarmos brincando de barquinhos de papel em meio às poças d´água. Quase lamentamos a chegada do ônibus.

4) Seja gentil com os cães

Meu pai adorava cachorros. Quando estava caminhando pelas ruas — o que fazia diariamente –, sempre acariciava e cumprimentava os cães que passeavam com seus donos. Não, ele não era do tipo que compraria roupinhas ou levaria o cão para tratamentos de beleza. No entanto, tinha interesse genuíno pelos bichinhos.

Também era uma oportunidade de puxar conversa com o dono do cachorro. Por conta disso, meu pai conhecia muitas pessoas na Vila Guarani, bairro próximo ao metrô Conceição, em São Paulo, onde passou os últimos dez anos de vida.

5) Mantenha o bom humor

Uma história clássica em nossa família ilustra o bom humor do meu pai. Numa das muitas viagens que fazia indo e vindo de seminários, bancas e palestras, ainda na época em que as regras de embarque eram bem menos rigorosas que hoje, ele viu entrar no avião uma pessoa com uma vara de pesca.

Evidentemente, a vara de pesca não cabia no compartimento superior. Sentado à janela, o passageiro-pescador encaixou a vara na lateral. A ponta, alguns metros atrás, ficou bem diante do meu pai. Da famosa e inseparável pasta, ele sacou uma tesoura (imaginem!) e folhas de papel para recortar peixinhos que foram diligentemente presos à isca.

Quando o avião pousou, o dono da vara encontrou os peixinhos de papel. Diante do sorriso divertido de muitos passageiros, inclusive do próprio pescador, meu pai comentou:

“Já conseguiu pegar alguns peixes! Boa pescaria!”

6) Trate bem a todos

Meu pai tratava todas as pessoas da mesma forma. Com educação. Não importava a posição social ou cargo da pessoa. O nível de educação sempre foi primoroso.

Há algum tempo li uma frase que dizia que o caráter de uma pessoa pode ser medido pela maneira como ela trata o garçom, o faxineiro, o porteiro. Por essa métrica meu pai, mais uma vez, é aprovado com louvor.

7) Dedique-se à leitura

Meu pai foi professor de Linguística. Como bom mestre, sempre tinha um livro por perto. Lembro de quando íamos ao banco, na minha infância. Ele estava sempre lendo enquanto esperava ser atendido. Desta forma, não perdia tempo.

Esta característica de meu pai, inclusive, me inspirou a escrever um post sobre o assunto (Quando esperar na fila pode ser agradável)

Não importava se havia fila ou se a espera seria mais longa que o previsto, meu pai sempre tinha algo para ler ou alguma outra atividade produtiva a que se dedicar enquanto aguardava.

O exemplo de vida e minha responsabilidade

Com essas breves histórias, vocês já podem constatar que tive um belo exemplo de vida. Agora que ele não está mais presente aqui entre nós, fica para mim, para minha irmã e meus irmãos, a responsabilidade de honrar e imitar esse legado.

Nosso pai, que chamávamos de “daddy” (papai em inglês), é um grande exemplo a ser seguido.

Será uma tarefa difícil, porém gratificante, colocar em prática estas lições de vida.